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Quero ser idosa, mas nunca velha!

Por Vera Caovilla


Ela foi chegando, chegando bem devagarinho e nem percebi como. Hoje, com 71 anos, tenho imenso respeito pela minha idade, afinal, ela me levou a tantos lugares, tantas proezas e desafios que só posso respeitá-la e amá-la. Vamos lá desde alguns anos passados: venho de uma família com mulheres fortes que enfrentavam todo e qualquer desafio e o melhor (ou pior, em alguns casos!) é que controlavam a nós, geração feminina mais jovem, a que também vencessemos os desafios. E assim foi. Acredito que por essa razão é que sou um tanto empreendedora – aquela máxima: idade não é empecilho para nada nem ninguém!!


Desde muito pequena aprendi a respeitar os mais velhos. Sabe aquela educação de quando a mãe olhava, a gente já sabia direitinho se tinha feito ou falado o que era correto. Aprendi também a amar os livros e como tínhamos uma biblioteca ao lado de casa, passava as tardes por lá, onde aprendi a escolher minha literatura. No meu tempo (aff! Jeitão de velho falar!) a escola já começava no primeiro ano e assim que completei o segundo ano, meus pais começaram uma outra etapa de educação: música e uma língua, no caso, o piano e o inglês, sempre dentro da filosofia de que os mais velhos ensinam os mais novos e cabe a estes obedecerem. Mas tive uma grande vantagem: meu avô era adepto do diálogo, da conversa franca, então tínhamos toda liberdade de discutir todos os assuntos sempre que surgia algo que não concordava. Assim fui crescendo e sendo formada no sentido de ouvir e ouvir sempre, seja o mais novo ou o mais idoso e esse ouvir, trouxe compartilhamentos e experiências riquíssimas para a construção de meu caráter e condução da minha vida.


Na década de 70, atuando na área em que me formei – administração hospitalar – trabalhava em uma instituição que ministrava cursos na área da saúde em diversos Estados e comecei a dar aulas neste curso. No quadro de docentes, era uma das mais jovens e minhas aulas vinham sempre depois de três ou quatro professores homens – qual não foi a surpresa em ver que aconteceu certa dificuldade dos alunos em me aceitarem, não por ser a mais jovem ou mesmo pelo conhecimento que tinha da área, mas pura e simplesmente por ser mulher. Foi um desafio enorme me fazer valer frente a uma classe com a quase totalidade de homens, profissionais da saúde, mas um desafio vencido e dentro de uma perspectiva que não esperava. Depois de um tempo, decidi então partir para meu primeiro empreendimento e abri uma empresa de consultoria na área da saúde e nela fiquei por mais de 15 anos. Percebi que agora sim o fator idade era o principal foco, pois precisava mostrar que, mesmo sendo jovem (menos de 30), detinha conhecimento, habilidade e traquejo para fazer frente ao trabalho que me era solicitado.



Início dos anos 90, minha vida deu uma guinada de “420 graus”, se fosse possível. Meu pai foi afetado pela doença de Alzheimer e, para melhor atendê-lo, optei por diminuir consideravelmente as viagens de consultoria que realizava. Buscando conhecer mais sobre a doença de Alzheimer e como tratá-la, fundamos, profissionais e familiares, a ABRAz Associação Brasileira de Alzheimer com o objetivo de expandir o conhecimento da doença para todos os que o quisessem. Foram implantadas Regionais em quase todos os Estados Brasileiros e nestes, as Sub-regionais e Grupos de Apoio. Tive contato com inúmeras famílias, de norte a sul, de leste a oeste deste nosso imenso país. Conversei horas a fio com familiares desesperados por não saberem como enfrentar a doença de Alzheimer. Nosso serviço 0800 atendia mais de 60 ligações/dia nos meses “normais” e em setembro, Mês Mundial da doença de Alzheimer, o número crescia para mais de 200 ligações/dia. Era um trabalho voluntário e insano, mas extremamente gratificante.


A partir de 1992 comecei a participar dos Congressos Internacionais de Alzheimer representando o Brasil através da ABRAz e nestes Congressos percebi uma particularidade: Associações situadas nas Américas, principalmente a Latina, tinham representantes sempre muito mais jovens que as Associações da Europa e Ásia e isso nos trazia uma grande responsabilidade na representação de nossas Associações e nossos países. Permaneci na gestão da Associação por mais de 25 anos (1991/2017) e considero este tempo como meu segundo empreendimento. Foram tempos onde sentimentos se mesclavam: alegria x tristeza, ignorância x conhecimento, raiva x apreço. Acho que foi a partir destas vivências que comecei a sentir a responsabilidade do peso dos anos e o que o fator “idade” representou para mim. Nas conversas com familiares, constatei quantas mulheres com a minha idade, que já tinham desistido de viver, de sonhar! Mulheres que adoeciam por cuidarem de familiar afetado pela demência e que se esqueciam de cuidar de si próprias. Mulheres que deixaram empregos, faculdades e sonhos para cuidarem de familiar. Seria possível transmitir a estas mulheres que a idade não tinha nada a ver com a forma de vida que estavam levando? Seria possível lembrá-las de que poderiam ter uma vida melhor sabendo como envelhecer de forma ativa?


Assim, em meados de 2015 conversando com Fabiana Satiro, que havia trabalhado comigo na gestão da ABRAz Regional São Paulo, decidimos por começar um trabalho visando o envelhecimento ativo. Assim, em 2017 se inicia meu terceiro empreendimento: a formalização da 50mais Ativo que ajuda a promover o envelhecimento ativo, estimulando a independência, a autonomia e a integração social, visado maior qualidade de vida, tudo a ver comigo e o melhor, trabalhando em causa própria!! Afinal já passando dos 70 reconheço que as atividades sociais, recreativas e culturais estimulam as funções cognitivas, favorecem a convivência, incentivam a autoestima e auxiliam na prevenção do envelhecimento patológico e nada melhor do que praticar o que acredito já que tive um avô e um pai com doença de Alzheimer. Então bora praticar o envelhecimento ativo! Com este pensamento, tenho me envolvido com vários projetos: Virada da Maturidade, Longevidade Expo Fórum, Programa Cidade Amigo do Idoso, Congresso do Envelhecimento Ativo e outros mais, com uma grata felicidade: sou protagonista na minha própria vida. Tenho grandes desafios neste novo empreendimento e é muito bom tê-los, assim sou constantemente desafiada a fazer o melhor, principalmente se considerar que minhas duas sócias tem a metade de minha idade.


Lá no comecinho desta minha história, disse que respeito e amo minha idade. Amo também a palavra idoso, diferentemente de velho. Quero ser idosa mas espero nunca ser velha!

Estou perfeitamente ciente de que o envelhecimento é um processo natural a que todos passaram, passam e irão passar. Não tem como fugir. Mas sei também que posso escolher entre envelhecer saudavelmente ou não. E escolhendo envelhecer ativamente, espero que os próximos anos me tragam toda felicidade e realizações que já trouxeram até este momento.

Amo saber que minhas rugas ficarão mais acentuadas, saber que meus cabelos estarão cada vez mais brancos. Amo saber que posso aprender dançar tango ou jogar xadrez com meus 71, 81 e outros tantos anos. Amo saber que posso ser e fazer o que quiser sem medo de ser feliz e ótimo se der tudo certo mas se algo acontecer errado, posso tentar uma, duas ou quantas vezes forem necessárias. Não tenho medo de tentar e isso é o mais maravilhoso que aprendi com minha idade: poder tentar sempre sem ficar preocupado com o que outros possam pensar. Amo saber que minha idade não interfere em nada na forma como penso, como me locomovo, como sinto. Pelo contrário, minha idade me proporcionou riqueza de pensamento, me ensinou a ouvir, me resgatou de dúvidas, me incentivou a viver de forma rica. Tenho amigos, poucos, mas de longa data que o tempo tratou de deixá-los mais perto como se fossem parte de mim e da mesma forma que eu amo minha idade da forma como ela se apresenta hoje, também estes poucos amigos amam igualmente suas idades e dessa forma, nossos encontros são extremamente ricos, repletos de boas histórias e vivências.

Disse anteriormente que quero ser idosa mas espero não ser uma pessoa velha. Quero ter cada vez mais idade – chegando aos 100 anos se possível. Quero fazer tudo que vale a pena fazer, correr todos os riscos possíveis, sonhar sonhos impossíveis, ensinar, amar porque não? Quero ter muitos e muitos amanhãs. Quero relembrar todas as coisas produtivas que fiz e que me trouxeram esta grande experiência de conhecer meu passado, viver o presente e construir o futuro tendo planos já desenhados e prontos a serem alcançados. Quero estar ao lado desta gente jovem - tão conectada – aprender com eles, mas também compartilhar minhas experiências e vivências que possam ajuda-los de alguma forma.


Enfim, declarar abertamente que o amor que tenho pela idade possibilita meu olhar lá para a frente, para um futuro remoto e ter a certeza de que esta mesma idade, velha companheira, me permite ao pensar positivo sabendo que tenho muito ainda por alcançar e por fazer, projetos a serem concluídos e mais rugas surgindo e mais cabelos brancos aparecendo.

Amo ser uma jovem senhora com 71 anos e almejando chegar nos seus 100 anos ainda jovem.



Coletânea “Amo minha idade!,

Organizadoras: Edna Perrotti e Bete Marin

Editado por Oficina do Livro, São Paulo 2020

www.oficinaeditora.com.br


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