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O que 100 Dias com Tata nos ensina sobre cuidados de idosos?

Tata e Miguel nos trazem a percepção de fragilidade e finitude daqueles que amamos, além de nos darem uma lição sobre cuidados e cuidadores.



O documentário espanhol 100 dias com Tata (Netflix), além de divertido, nos leva a refletir sobre muitas questões, especialmente o envelhecimento e a morte. Estrelado e dirigido pelo ator espanhol Miguel Ángel Muñoz, que desejou fazer um filme com sua tia-bisavó Luisa Cantero, a Tata. O filme seguia a todo o vapor quando são surpreendidos pela pandemia. As circunstâncias acabaram por transformar o filme em documentário e o resultado é surpreendente, divertido e emocionante, arisco a dizer: uma verdadeira aula para quem atua no campo da gerontologia, para idosos de uma maneira geral e, principalmente, para quem tem familiares idosos. Gente, é um filme-doc para nós todos, assistam!


Miguel vive a mil por hora. Jovem, hiperativo, quer abraçar o mundo com mil projetos profissionais, atua diante e atrás das câmeras, canta, viaja sem parar, viciado em esportes radicais: de asa delta a salto de paraquedas; de skate a slackline; de surf a triathlon. Miguel Ángel não para. Na outra ponta dessa história, sua tia-avó que não tem pressa para nada, sofre uma queda após um desmaio. O veloz Miguel cancela seus compromissos no México ao se dar conta da fragilidade da Tata, uma mulher que dedicou sua vida a cuidar dos outros, inclusive dele: “Será que vivi tudo o que gostaria de viver ao lado da minha Tata antes que ela se vá?”.


Decide parar com seus afazeres, enfrentar o medo da perda e aproveitar cada momento que ainda possam ter juntos, e chegam a criar uma lista de desejos para serem filmados e guardados como recordação. Consulta a Tata, que adora a ideia, e carrega uma equipe completa de filmagem, por volta de 25 profissionais, e uma parafernália de equipamentos, câmeras por toda a casa. Tata, que aos 93 anos já anda sem gana para viver, se enche de alegria e vontades. Vamos filmar!



O filme não vai longe. Logo no início das gravações, Tata sofre um AVC e passa a precisar de cuidadoras 24 horas e reabilitação multiprofissional, que se mantém com resultados bastante promissores. Quando está se recuperando, surge a pandemia e as consequentes medidas de isolamento social. As cuidadoras, amedrontadas, pedem dispensa. Horrorizado, Miguel escuta o noticiário que dá conta que os idosos são os principais afetados pelo vírus, mais de oito mil já morreram em casas de repouso. O medo de perder a Tata o apavora. O que fazer?


Decide, então, morar com a Tata durante o período de pandemia que imaginou ser rápido. Como já havia câmeras espalhadas por todo o apartamento, por sinal bem pequeno, 35 metros quadrados, filmaria o dia a dia dos dois no formato documentário. Porém, a pandemia se estende, e Miguel acaba vivendo confinado com a tia-bisavó por exatos 100 dias de cuidado integral e estratégias mil para sobreviver ao tédio, manter o astral usando a felicidade como arma.



O filme-doc retrata a relação de afeto existente entre Miguel e Luisa, atualmente com 97 anos, que teve que abandonar os estudos para cuidar da mãe doente, que só veio a falecer quando Tata já estava com 40 anos, impossibilitando-a de casar e ter filhos. Aposentada, depois de mais de 15 anos como faxineira em uma mesma empresa, cuidou do sobrinho-bisneto, Miguel, para que os pais do garoto pudessem trabalhar. Daí resulta um forte laço afetivo, mesmo sendo tão diferentes, que o filme-doc revelará naturalmente. O agitado Miguel teme que ele e ela tenham pouco em comum, mas o filme-doc mostra que são parecidíssimos. São bem-humorados, fortes e resilientes, não gostam de demonstrar fraqueza, de reclamar e Miguel, a exemplo da tia-bisavó, é um cuidador nato.


A primeira grande reflexão que o filme nos traz é a percepção de fragilidade e finitude daqueles que amamos. Miguel não via a idade real da tia-bisavó até ela adoecer e ele perceber que a qualquer momento irá perdê-la. Embora chocado, decide se preparar para esse momento e aproveitar ao máximo o tempo que ainda podem ter juntos, criando boas memórias e realizando sonhos. Tatá, cercada por santos e santas, o que menos teme é a morte, assusta-se mais com dores, doenças ou perda de memória, por exemplo. A morte, faz parte da vida. E aproveita cada momento para mostrar que sempre é possível ser feliz.


Independentemente da idade, aproveita cada dia, cada momento, com uma paixão contagiante. Quantas histórias como a de Tata acompanhamos? Famílias que só vão perceber a necessidade de supervisão e atenção diferenciada de um idoso familiar quando ele cai, se perde ou é surpreendido por um problema de saúde mais sério; ou o oposto, famílias e os próprios idosos que acreditam que longevidade é sinônimo de limitação para frequentar eventos sociais, passear, buscar prazeres, aprendizagens, entre outros. Como é tênue esse limiar! Como é difícil de se equilibrar! O filme-doc nos mostra isso de um jeito leve, engraçado e ao mesmo tempo profundo.


Diante da pandemia, o medo do contágio do familiar idoso, mais propenso a desenvolver quadros graves, também se revela a Miguel. Muitas famílias dispensaram os cuidadores, assumiram integralmente o familiar, a casa, mantendo ainda sua atividade profissional. Tiveram que aprender a cuidar, dar banho, fazer comida, faxina, acordar ao longo da noite para acompanhar o idoso ao banheiro etc. Nesse relato aprendemos muito sobre o que é ser cuidador e como o ser.


O vínculo formado entre ambos ao longo da vida facilita um cuidado sem grandes conflitos. Miguel se desdobra para atender a tia, passa a arrumar a casa, se desfazer de coisas, um dos poucos momentos que vemos Tata nervosa, pois sabemos o quanto pode ser invasivo alguém mexer nas coisas e querer se desfazer delas sem levar em conta o valor sentimental que possa ter. Em diversos momentos percebemos que ambos se seguram para não criar conflito, em outros riem. As estratégias de cuidado e o bom humor mostram-se extremamente eficazes, Miguel sempre faz a Tata sorrir e os benefícios do humor ficam claros na qualidade de vida e nos progressos da tia.



Com o prolongamento da quarentena, sem perspectivas de quando voltará a filmar, Miguel já não sabe o que fazer para manter a tia-bisavó ativa. Surge a ideia de criar uma página no Instagram e fazer da tia-bisavó uma atriz. Melhor, uma apresentadora de um programa diário que batizam de Quarentata. Ela leva tudo muito a sério. E ama se colocar diante da câmera, conversar, interagir com outras pessoas, distraindo-se e criando mais uma possibilidade de estratégia para a reabilitação cognitiva. Aliás, Tata, que andava com a memória cada vez mais prejudicada, ao assumir essa atividade passa a se exibir e agradecer a Deus e Nossa Senhora por chegar aos 95 anos com uma memória formidável.


O canal @soylatatareal faz mais e mais sucesso, conquista cada dia mais seguidores, rompe fronteiras e Tata passa a se corresponder com gente do mundo inteiro. Esse fato nos ensina o quanto a tecnologia e o envelhecimento podem e devem andar juntos, com ajuda, os idosos são capazes de aprender a utilizar os recursos e muitas vezes fazer deles um complemento de renda, além de se beneficiar com ganhos cognitivos como no caso da Tata que acaba se tornando uma influenciadora digital com milhares e milhares de seguidores.


O documentário retrata, como nenhum outro, as melhoras advindas do cuidado adequado ao idoso. Porém, também fica nítido o quanto a sobrecarga para o familiar causa danos a saúde física, emocional, financeira e profissional de quem se dispõe a cuidar. Miguel renuncia a cada dia um pouco mais do seu autocuidado, começa a sentir dores, a dormir mal, a entrar em depressão e ter problemas financeiros pela ausência de trabalho. Problemas que atingem todos os cuidadores familiares. É provado que quem não está bem, em algum momento deixará de cuidar bem, e Miguel age rápido, procura ajuda de um psicoterapeuta e contrata cuidadores para a tia. Todo esse processo é filmado, desde a entrevista para a contratação de cuidadores até as sessões terapêuticas feitas na modalidade on-line por Miguel.



Neste momento, outra grande reflexão com a realidade aparece retratada na dificuldade em encontrar um cuidador adequado para o familiar idoso. Dificuldade não só em encontrar alguém com preparo técnico e de confiança, mas também adequado as demandas criadas. Entrevistam vários candidatos, mas Miguel busca alguém que seja parecido com ele nos cuidados com a tia. Para ele, assim como para a maioria dos cuidadores familiares, ninguém cuidará tão bem quanto ele!


A resistência em ceder a alguém, que cuidará de forma diferente da sua, é nossa realidade na área da gerontologia, mas precisamos recordar que cuidar diferente não implica em um mau cuidado! Para quem é cuidador profissional, não existe o mesmo vínculo afetivo, mas outro pode nascer! Além disso, como familiares, recordamos muito do idoso antes da fase de dependência, e criamos sempre expectativas de melhoras, nos fechando naquilo que conhecemos dele; já o cuidador formal não cria essa expectativa, mas pode favorecer o desenvolvimento de novas habilidade e gostos à medida que testa estratégias de cuidado.


Tata demonstra lucidez e sabedoria ao longo de todo o filme-doc, e diante do medo do Miguel em perdê-la, é ela quem o auxilia: Todos nascemos para morrer. Com naturalidade e bom humor, eles passam a conversar sobre a morte, sobre os desejos dela para o funeral e sobre o como foi boa a convivência em vida. Que enorme tabu ainda é falar sobre a morte, experiência pela qual todos passaremos um dia. Muitas famílias têm enorme dificuldade em tomar resoluções frente a uma doença ou falecimento, justamente por nunca terem conversado sobre o assunto.



Chega a ser engraçada a conversa entre os dois. Ela pede para ser enterrada em Madri, para estar pertinho de Miguel. Ele contesta: pode ser na sua cidadezinha, eu irei lá visitá-la, prometo. Mas Tata não quer dar trabalho: Em Madri vou ficar bem, pertinho de você. Tem a cena da igreja na qual o padre procura palavras como quem procura agulhas no palheiro para tocar no tema. Tata se adianta: Quer saber se tenho medo da morte? Não! A morte vive comigo. Eu vivo por ela.


Por fim, a maior reflexão do filme é que estar junto de quem amamos e fazer desses momentos as melhores lembranças possíveis é o mais importante da vida. Tata e Miguel descobrem que não é preciso viajar, passear, estar em locais incríveis para que isso aconteça (como era, a princípio, a proposta do filme). Quando se está junto, dedicando-se um ao outro, com toda escuta e todo afeto, as viagens acontecem. Talvez a finitude, de fato, ganhe outra perspectiva se soubermos que, em vida, vivemos efetivamente juntos!


Falamos demais, desculpem, mas se ainda não assistiu a 100 dias com Tata corra para ver! É um filme-documentário que irá encher seu coração de alegria e amor, seus pensamentos de reflexões positivas e, certamente, suas atitudes com os outros e consigo serão diferentes daqui em diante. Sem contar que dará boas risadas com a Tata e Miguel Ángel.

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