Seminário: Do Direito Ao Protagonismo Da Pessoa Idosa No Cenário Atual
OAB Cultural – 25 Outubro 2022
Asthon Applewhite, uma das principais ativistas do movimento para conscientização sobre o envelhecimento, autora do livro UM MANIFESTO CONTRA A VELHICE, escreve que “o envelhecimento não é uma doença. É um processo natural, poderoso, vitalício e que une todos nós”. Considera ainda que para lutar contra o preconceito, existe uma vergonha de nosso próprio envelhecimento e defende que as pessoas formem grupos para discutir sobre o etarismo, desenvolvendo assim uma rede de apoio de uns para com os outros.¹
Já Mirian Goldenberg, antropóloga brasileira referência nos estudos sobre envelhecimento, escreve que a palavra VELHO transmite preconceitos, estigmas, representa doenças ou algo descartável. Assim como a escritora americana, ressalta a importância de se ouvir a pessoa idosa, mesmo que por um pequeno tempo porque ela tem muito a dizer, precisa ser ouvida, receber atenção e sair da invisibilidade.²
Envelhecimento, trabalho e inclusão social para a pessoa idosa, são palavras, sentimentos, atitudes, ações que estão interligadas e refletem diretamente sobre cada pessoa acima dos 60 ou dos 50 e ultimamente até mesmo dos que estão acima dos 40.
O Brasil já foi considerado um país jovem, mas que agora encontra-se em um processo de envelhecimento, e hoje o número de pessoas acima dos 60 anos ultrapassa 30 milhões com uma expectativa de vida em torno dos 80 anos, segundo dados do IBGE (2014). A pirâmide etária está se invertendo e, muito em breve, teremos pessoas idosas como a base dessa representação. Entretanto, nós – público alvo dessa faixa etária – continuamos trabalhando, estudando, vivendo com intensidade parecida com a de alguns anos atrás, mesmo tendo desafios, dificuldades, ganhos e perdas.
Sabemos que o envelhecimento não é uniforme para todos, existem diversas diferenças culturais e regionais em nosso país. O envelhecer e o ser idoso são coisas
bem diferentes – começamos a envelhecer a partir do momento em que saímos do ventre materno, mas a forma como vamos desenvolvendo a parte física, a psicológica e a social vai demonstrar o como nos tornamos idosos. “O velho brasileiro não existe. Existem várias realidades de velhice referenciadas a diferentes condições de qualidade de vida individual e social”, escreve Anita Liberalesso Neri³.
Diversas medidas e ações vem sendo tomadas ao longo do tempo para proteger a pessoa idosa e abaixo mostramos a linha do tempo dos marcos legais mais importantes para a população idosa:
1982: Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento – Viena
1986: 8ª Conferência Nacional de Saúde
1988: Constituição Federal do Brasil
1993: Lei Orgânica de Assistência social (LOAS) – Lei º 8.742/1993
1994: Política Nacional do Idoso – Lei nº 8.842, de 04 janeiro 1994
1999: Política Nacional de Saúde do Idoso, pela Portaria nº 1.395/99, do Ministério da Saúde
2002: Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento – Madri
2003: Estatuto da Pessoa Idosa – Lei nº 10.741 de 1º outubro 2003
2005: Plano de Enfrentamento da violência contra a pessoa idosa e RDC nº 283 de 26 setembro 2005 ANVISA
2006: Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, Portaria GN nº 2.528 de 19.10.2006 e Instituição do dia 1º de outubro como Dia Nacional do Idoso (Lei nº 11.433 de 28.12.2006)
2009: Plano de Ação sobre a Saúde, incluindo o envelhecimento ativo e saudável
2010: Fundo Nacional do Idoso e Programa Nacional de Imunizações
2012: Portaria nº 1.580 de 19.07.2012, que afasta a exigência de adesão ao Pacto pela Saúde ou assinatura do Termo de Compromisso de Gestão
2013: Compromisso Nacional para o Envelhecimento Ativo
2015: Convenção Interamericana sobre a proteção os Direito Humanos dos Idosos
Nós, os 60+, conscientes de nosso potencial, precisamos efetivamente exigir que os direitos conquistados sejam respeitados, assumir o protagonismo do nosso envelhecimento e buscar uma série de ações que diminuam a exclusão social, a violência nem tanto a física, mas a emocional e psicológica com mais intensidade, e principalmente lutar para a desmistificação desse período da vida que todos, sem exceção alguma, passarão.
Dentre as políticas públicas para a pessoa idosa, que demonstram que existe sim a necessidade de garantir direitos fundamentais como saúde, alimentação, educação, lazer, trabalho, cultura, liberdade e dignidade, temos a PNI (Política Nacional do Idoso) que traz no seu primeiro artigo a necessidade de “assegurar primeiro os direitos sociais do idoso, criando condições para prover a sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”, sendo que a família, a sociedade e o Estado têm responsabilidades iguais no
atendimento a estas condições.
O Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741 de 1º outubro 2003), avanço significativo na legislação, garante o respeito ao idoso e a consolidação de seus direitos necessários para afirmar a igualdade de todos perante a lei e diminuir a discriminação do idoso. Os principais direitos fundamentais dos idosos assegurados pelo Estatuto da Pessoa Idosa encontram-se descritos nos artigos 8 a 42, que resumidamente dizem o seguinte:
Direito à vida: envelhecimento é direito personalíssimo e sua proteção um direito social; é dever do Estado garantir à pessoa idosa proteção à vida e à saúde por meio de políticas públicas que permitam a ela um envelhecimento digno e saudável.
Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade: é dever de todos, Estado e sociedade, assegurar que a pessoa idosa tenha o direito de ir e vir, o acesso a espaços públicos, a liberdade de expressão e a crença religiosa, participação na vida política, familiar e comunitária. Este direito consiste ainda na inviolabilidade da integridade física, moral e psíquica, na preservação da imagem, da autonomia valores e ideias dentre outros.
Dos Alimentos: a alimentação da pessoa idosa é obrigação prioritária da família, comunidade e Poder Público, porém no caso da pessoa idosa, se seus familiares não tiverem condições econômicas para tal, o Poder Público deverá fazê-lo através da assistência social.
Do Direito à Saúde: a pessoa idosa tem assegurado a atenção integral à saúde, através do SUS (Sistema Único de Saúde) que lhe garante o acesso universal e igualitário para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo acesso a medicamento e atendimento domiciliar. É importante ressaltar alguns dos direitos nem sempre respeitados: “é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade” (art. 15); “Ao idoso internado ou em observação é assegurado o direito a acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas para sua permanência em caráter integral” (art. 16).
Da Educação, Cultura, Esporte e Lazer: é o direito que a pessoa idosa tem à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer em locais e serviços que respeitem sua condição de idade. Cabe ao Poder Público criar oportunidade para o exercício desses direitos seja criando espaços próprios, seja garantindo descontos em ingressos em eventos e também o atendimento preferencial.
Da Profissionalização e do Trabalho: é o direito que a pessoa idosa tem em relação ao exercício da atividade profissional respeitando suas condições físicas, intelectuais e psíquicas, não sendo permitido qualquer discriminação e fixação de idade, exceto nos casos exigidos pelo cargo.
Da Previdência Social: neste capítulo (Cap. VII – art. 29 a 32) fica definido que os benefícios de aposentadoria ou pensão devem observar que o critério de cálculo preserve o valor real dos salários sobre os quais incidiram as contribuições conforme a legislação vigente.
Da Assistência Social: será prestada às pessoas idosas conforme os princípios e diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, na Política Nacional do Idoso, no SUS e demais normas. É assegurado ainda o benefício mensal de um salário mínimo às pessoas a partir de 65 anos que não possuem condições meios de prover sua subsistência.
Da Habitação: toda pessoa idosa tem direito a moradia digna, com sua família ou desacompanhado de seus familiares permitindo assim o direito de escolha; as instituições de atendimento a este público precisam atender padrões de qualidade, segurança e de habitação.
Do Transporte: é assegurada a gratuidade no transporte às pessoas acima de 65 anos, porém em alguns municípios, a critério do governo local, esta gratuidade é oferecida a faixa etária entre 60 a 65 anos; o direito ao transporte permite ainda que reservas de 10% dos assentos no transporte público sejam reservadas ao público idoso e também a reserva de espaço no estacionamento público ou privado para acessibilidade mais seguro.
Entretanto ainda muito precisa ser feito para a população idosa. Estamos convencidos de que a expectativa de vida do brasileiro está se elevando com o passar dos anos e, com isso, surge uma importante pergunta: Como viver mais e manter uma boa qualidade de vida por tanto tempo? E o pensamento vem: vou trabalhar com o que gosto, com possibilidade de ganhar algum dinheiro extra, vou me tornar mais útil e melhor, desfrutando de uma reserva financeira? Acreditamos ser este o pensamento da grande maioria dos brasileiros.
Segundo dados do Serasa a inadimplência entre os idosos é a que mais cresce no país, chegando a cerca de 9,5 milhões de pessoas. Muitas são as razões para tal problema, dentre elas o empréstimo consignado, que por ser descontado diretamente do holerite da aposentadoria, diminui a renda mensal e faz com que o idoso não tenha recursos para as contas do dia a dia. Outra razão para o endividamento, é o número cada vez maior de idosos que se tornam arrimo de família, mantendo as gerações mais novas exclusivamente
com a sua aposentadoria e outra renda mensal. Pesquisas apontam que a maioria dos gastos dos idosos é com alimentação, comida e as contas de consumo da moradia.
Diante da necessidade de renda, e das poucas opções de trabalho com carteira assinada, muitos idosos têm buscado trabalhos de forma autônoma ou aberto negócios próprios. Dos 30,3 milhões de idosos que existem no Brasil hoje, cerca de 2,2 milhões são empreendedores, segundo dados do Sebrae, representam 7% dos empreendedores. Sendo esta uma das formas mais relevantes de empoderamento e fonte de renda para esta faixa etária, mantendo-o na economia produtiva. Além disto, o empreendedorismo na terceira idade tem tido um importante papel na geração de empregos, sendo apontada como a faixa etária que mais emprega, representando 18% do total de empregos gerados.
Alguns dados de pesquisa realizada pela Longevidade, apresentadas na Expo-Fórum realizada em final de setembro/19, mostram que:
- Sete em cada dez longevos (70%) estão aposentados e, desse total, 21% continuam trabalhando, pois, a renda não é suficiente para pagar as contas; 48% querem se sentir produtivos dessa fase da vida e 46% buscam manter a mente ocupada.
- Desafios enfrentados:
Mais da metade dos maduros que trabalham tem negócio próprio
Apenas um em cada quatro tem emprego com carteira assinada
18% estão na informalidade
12,3% dos empreendedores do país estão na faixa de 55 a 64 anos
- Mais de 60% são os únicos responsáveis por suas decisões de compra e sua renda individual
representa 50% da renda bruta familiar
- Saúde e segurança financeira são preocupações constantes
- Programas e serviços que promovam novas vivências e integração social são muito bem recebidos
Sabendo então que estamos vivendo mais e com o número de idosos aumentando exponencialmente e, considerando que a pessoa idosa é possuidora de uma história de vida inestimável, que já tem noção do que dá certo ou não e tem a certeza do que gosta ou não, isto tudo torna sua bagagem invejável o que pode transformá-lo em um excelente empreendedor ou excelente empregado.
Penso que as empresas, reconhecendo a bagagem de vida e profissional que a pessoa idosa carrega, precisam definir programas de inclusão que consideram a experiência profissional e de vida, a dedicação, o comprometimento e a valorização da oportunidade e que venham atender a este novo funcionário. Com certeza, as ações e programas desenvolvidos pela empresa neste sentido trarão inúmeros benefícios, não
só pelo relacionamento intergeracional entre os funcionários, como no ponto de vista da responsabilidade social que toda instituição deve cumprir.
Contudo, nestes últimos tempos temos observado um incentivo ou incremento do etarismo, ageismo, idadismo, velhofobia – termos que se referem ao preconceito em relação às pessoas idosas e aos estigmas associados ao envelhecimento. O Glossário Coletivo de enfrentamento ao idadismo, elaborado pela Longevida Consultoria apresenta uma série de frases que ainda são comuns de serem ouvidas e as vezes, inconscientemente pronunciadas por nós mesmos:
Deixa o vovô quieto, ele já está velho
Desculpa perguntar, mas quantos anos você tem?
É muito feio velha de cabelo grande / ela está velha para usar cabelo comprido
É muito colorido para sua idade
Em vez de fazer crochê, está indo para o baile
Está esquecido por causa da idade
Está fazendo hora extra
Meu ciclo de vida, começando lá no nascimento, infância, adolescência, adulto e agora idosa, me leva a propor a que todos os 60+, continuemos a discutir esse processo que envolve o envelhecimento, o trabalho e a inclusão que nos é dado em várias oportunidades de trabalho, que sejamos ativistas dos movimentos que lutam contra o etarismo, porque somente com este engajamento estaremos preparando terreno para uma próxima geração.
Quero deixar com vocês um texto escrito por Mauro Wainstock, consultor empresarial focado no público acima de 40 anos, em artigo publicado pela Revista Exame, “Envelhecer não é para amadores” , extremamente válido quando se fala em Envelhecimento x Trabalho x Etarismo:
Em primeiro lugar, é importante lembrar que, independentemente da nossa idade, envelhecemos todos os dias. Ou não.
De acordo com Henry Ford, “qualquer um que parar de aprender é velho, seja aos 20 ou aos 80 anos”.
Portanto, se nossa idade cronológica é crescente, a vida também deve ser. Ela acontece ao vivo, a cores e sem replay. Podemos “ser” quando quisermos.
Podemos ser velhos com qualquer idade ou envelhecer o tempo todo.
E você, prefere ficar velho ou quer envelhecer?
Envelhecemos quando temos mais perguntas do que respostas.
Somos velhos quando não temos mais o que questionar.
Envelhecemos quando estamos dispostos a ouvir.
Somos velhos quando a ânsia de falar não nos permite escutar.
Envelhecemos quando transmitimos a nossa sabedoria.
Somos velhos quando somos egoístas neste compartilhamento.
Envelhecemos quando a nossa curiosidade gera mais curiosidade.
Somos velhos quando limitamos o nosso saber.
Envelhecemos quando nos abrimos para abraçar alternativas.
Somos velhos quando ficamos engessados nas antigas opções.
Envelhecemos quando temos a disposição de reaprender.
Somos velhos quando enxergamos apenas o que esperamos ou desejamos ver.
Envelhecemos quando assumimos a nossa responsabilidade.
Somos velhos quando simplesmente culpamos algo ou alguém.
Envelhecemos quando somos agentes ativos e positivos da transformação.
Somos velhos quando consideramos que são apenas os outros que precisam mudar ou atuar.
Envelhecemos quando deixamos o “nunca” de lado.
Somos velhos quando o “nunca” está sempre do nosso lado.
Envelhecemos quando conjugamos o plural.
Somos velhos quando ficamos absortos no singular.
Envelhecemos quando agimos com humildade e respeito.
Somos velhos quando deixamos o ego socializar e prejulgar.
Envelhecemos quando viralizamos felicidade.
Somos velhos quando replicamos o negativo.
Envelhecemos quando nos desafiamos.
Somos velhos quando nos sabotamos.
Envelhecemos quando tornamos nossas vivências do dia a dia memoráveis.
Somos velhos quando nossos atos diários não geram aprendizados ou sorrisos.
Envelhecemos quando exercitamos o autoconhecimento.
Somos velhos quando desistimos de nos conhecer.
Envelhecemos quando auto superamos.
Somos velhos quando nos comparamos.
Envelhecemos quando voamos.
Somos velhos quando duvidamos que temos asas.
Envelhecemos quando inspiramos e impactamos.
Somos velhos quando este legado é exclusivamente material.
Envelhecemos quando sonhamos acordados.
Somos velhos quando dormimos depois de sonhar.
Envelhecemos quando experimentamos.
Somos velhos quando achamos que viver é um risco.
Envelhecemos quando aplicamos e transmitimos a nossa valiosa experiência.
Somos velhos quando achamos que ela não é tão importante assim.
Envelhecemos quando nos damos a oportunidade de cometer novos erros.
Somos velhos quando passamos a acreditar que os antigos erros já foram suficientes.
Envelhecemos quando elaboramos planos.
Somos velhos quando ficamos apenas nos planos.
Envelhecemos quando esquecemos a nossa idade.
Somos velhos quando usamos como desculpa a nossa idade.
Envelhecemos quando valorizamos o envelhecimento.
Somos velhos quando consideramos que estamos velhos.
Será que só vamos entender a importância de envelhecer quando ficarmos velhos e, aí sim, quisermos
envelhecer?
Eu quero continuar envelhecendo todos os dias. Mas não pretendo ficar velho.
E você?
1 - https://exame.com/bussola/mauro-wainstock-que-idade-define-o-que-e-ser-idoso-60-75-ou-120-anos/
2 - https://exame.com/bussola/mauro-wainstock-que-idade-define-o-que-e-ser-idoso-60-75-ou-120-anos/
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